Uma vez mais, chegávamos a Valência compartilhando carro, usando o portal BlaBlaCar. Adotamos o transporte solidário desde o início de nossa vida explorando formas de compartilhamento pelo mundo. Depois de uma hora e meia pela costa leste da Espanha, chegamos diretamente ao endereço onde passaríamos alguns dias. Ficamos num apartamento com terraço na cobertura, por aqui chamado de ático. O proprietário, Daniel, nos recebe, explica como funciona tudo, entrega a chave e recomenda que a deixemos sobre a mesa quando partirmos. O processo de troca temporária se deu utilizando pontos acumulados através da plataforma My Twin Place. Outra invenção desse maravilhoso mundo do compartilhamento.

Desta vez, decidimos explorar a cidade em bicicletas. Valência é perfeita para isso! É possível deslocar-se com segurança e facilidade por todo o centro. Alugamos, na rua Serranos, duas bikes de passeio ergonômicas.
Enquanto de dentro de um carro, você apenas vê a paisagem, numa bicicleta, você faz parte dela! Sem poluição aérea nem sonora.
Mobilidade, baixo custo de deslocamento, prática de atividade saudável ao ar livre e ainda possibilidade de conhecer pessoas e fazer novos amigos, fazem da bicicleta um meio seguro, agradável e socialmente correto de experimentar a economia do compartilhamento.

Tivemos a sorte de contar aqui na Europa, com uma rede crescente de vias, possibilidades de alugar e em alguns casos tomar emprestado, este fantástico meio de transporte.

No dia seguinte, café da manhã no espaço de co-working Wayco: mesa completa, com empreendedores locais. Fazemos um resumo do nosso projeto. Recebemos convite de Nacho, diretor executivo para apresentarmos seminário dentro de um mês.

Em nossa exploração da cidade, usamos as bicicletas intensamente como meio de transporte. Dedicamos parte do dia a explorar o “Jardin de Turia”, imenso parque linear, construído sobre o antigo leito do rio de mesmo nome. Um projeto curioso, caro e interessante! O rio Turia, responsável por diversas inundações que devastaram no passado o centro de Valência, foi desviado na década de oitenta, abrindo espaço para um jardim de 110ha, construído após intensa mobilização popular. “El río es nuestro y lo queremos verde” era o slogan que acabou fazendo com que a cidade ganhasse o maior parque-jardim completamente urbano da Espanha. Curioso poder passar em bike sob as dezoito pontes que antes cruzavam o rio e hoje interligam as duas partes da cidade, cruzando o magnifico leito verde, espaço disputado pela população e pelos turistas.

À noite, completando nosso dia, tivemos uma reunião com a representante do Slow Food Valência, movimento que começa a crescer em várias partes da Europa.

 

De Valência, seguimos para a Itália, onde permanecemos por três semanas explorando a região trentina. Mais uma vez, as bicicletas foram nossas companheiras para atividades do dia a dia. Ir ao supermercado, passar na Biblioteca, circular pelas chamadas “ciclabiles” como são conhecidas as ciclovias, foram coisas que fizemos desde o primeiro dia em que chegamos a Mezzolombardo. A cidade, com cerca de 6.000 habitantes, tem história que remonta ao período medieval. Situada no norte da Itália, faz parte de uma rede com vários quilômetros de vias projetadas para bicicletas, que cortam o país, especialmente a região norte, atravessando Áustria e Alemanha e espalhando-se num adensamento crescente, em direção ao norte.

A bicicleta por aqui é acima de tudo um meio de transporte. Sem barreiras etárias, econômicas ou étnicas.

Memorável foi nosso trajeto misto em trem mais ciclovia, feito de Mezzolombardo a Merano. À nossa volta, a beleza deslumbrante dos campos floridos, tendo como pano de fundo a cordilheira dolomítica que se une aos Alpes em sua vertente italiana na fronteira com a Áustria. Na estação automática de trens de Mezzocorona, não existe funcionários. Pagamos 36,80 euros por dois tickets ida e volta no percurso Mezzocorona – Bolzano. Cada bicicleta custa 3.50€ por viagem. O trem, confortável e silencioso, tem banheiro maior que os dos aviões e local apropriado para bicicletas.

A presença da influência alemã se faz sentir não somente pelo idioma, cada vez mais falado por aqui, como pelas placas e equipamentos públicos. Mezzocorona, Cortina, Termeno, Laives… Bolzano!

Chegamos a Bolzano às 13h. A cidade, um verdadeiro paraíso para ciclistas, permite apenas o tráfego e circulação no centro, de bicicletas e transportes públicos. Iniciamos a pedalada rumo a Merano, pela via Cláudia-Augusta por volta das 14h. O plano, executado à risca, era ir de Bolzano (ou Bozen como é conhecida no dicionário bilíngue italo-germânico) a Merano (ou Meran) em Bike. Vinte e cinco quilômetros percorridos quase sem sentirmos o tempo passar.

Finalmente, Merano. Chegamos às 17:15h. À chegada, nos aguarda nossa primeira experiência de Couchsurfing. A casa, num bairro residencial, diferenciado da cidade, surpreende pela beleza e funcionalidade.

O encontro com Marco Dalbosco, italiano de meia idade, professor de alemão em escola pública local e nosso anfitrião, foi tranquilo e fácil. Idiomas oficiais: inglês e italiano, com incursões eventuais do Marco pelo espanhol e interesse em aprender português.

 

Uma vez mais nos surpreendemos com o acolhimento e receptividade de pessoas que acabávamos de conhecer.

Banho quente, troca de roupa e um breve passeio de reconhecimento pelas redondezas. Na volta, um jantar especial, regado a vinho e boa conversa multilíngue e multitemática. Hóspedes com tratamento VIP. Nada é pedido em troca. Apenas nossas histórias. Um contexto agradável e estimulante, que desperta a necessidade de “fazer igual” de repassar adiante, o carinho e a atenção que recebemos.

Muitas questões vêm às nossas cabeças quando pensamos sobre as novas relações de vida e consumo. O que leva uma pessoa a confiar sua casa e intimidade a estranhos, sem nenhum envolvimento de dinheiro? Para onde caminha as relações de confiança entre pessoas? Até onde vai o consumo compartilhado? Nossa história de vida, nossas aventuras, o quanto despertamos de interesse, passam a ser os elementos de atratividade nessa nova relação de troca. Uma espécie de “escambo cultural”, que ultrapassa os limites da economia tradicional. A valoração do tempo e do espaço assume outro patamar, onde a subjetividade deixa sem sentido leis econômicas tradicionais.

Curiosamente, o tempo passa, mas as cicatrizes provocadas pelas guerras seguem perceptíveis aqui na fronteira. A grande comunidade de língua alemã dá as cartas quando se trata de comunicar-se. A maioria aqui, fala “tedesco” ou como o idioma de Goethe é chamado na Itália.

À noite, um jantar agradável. Comemos, cantamos e contamos muitas histórias. Nosso anfitrião, acompanhado de sua filha, também é adepto das bicicletas. Há alguns anos deixou de possuir carro.

No primeiro de maio, passamos nosso último dia em Merano. O sol cedia lugar à chuva. Café da manhã agradável: comida simples, boa conversa. Discussões sobre a arte de ensinar e a arte de aprender. Decidimos retornar no vagão das bikes do Trenitália. O trem sai de Merano pontualmente às 17:17h. Coisa de alemães, ou de ítalo-germânicos. Na bagagem, muita informação e belas experiências a serem compartilhadas com os próximos anfitriões de carros, casas e mesas, pelas estradas da vida. Tudo isso faz parte da Arte de Partir.

Ainda não baixou nosso e-book gratuito?

Baixe aqui! 🙂
Translate »