Passava das cinco da tarde. A chuva do final do dia chegava junto com os mosquitos. Mesmo assim, queríamos visitar um templo budista vizinho ao local onde estávamos hospedados. Todos os dias, ouvíamos o chamado para as preces pela manhã e no pôr do sol. Paramos no grande portão frontal. Empurramos a moto até uma mangueira cercada por pequenos bancos de concreto. O grande portão central já estava fechado. Enquanto tentávamos descobrir se havia outra entrada para o templo, acerca-se uma jovem cambojana de vinte e poucos anos. Se apresenta, diz que seu nome é Channy. Informa que o templo estava fechado, mas a biblioteca budista seguia aberta. Num inglês de aventureiros, pergunta se podia conversar conosco. Precisava praticar o idioma. Contornamos o prédio e entramos com ela.

Não tinha dinheiro para pagar um curso de línguas nem tinha limites para seus sonhos. Queria trabalhar com finanças bancárias, conquistar bolsa de estudos, experimentar a vida no exterior. Tinha planos para estudar em Cingapura e daí, partir para os Estados Unidos. Enquanto falava, o brilho de seus olhos deixava claro que já viajava, embalada pela imaginação, para bem longe de Battambang, na região central do Camboja onde estávamos.

Numa mesa velha de madeira, no hall de entrada da biblioteca budista, pudemos compartilhar com ela um pouco do nosso credo e de nossa história. Falamos sobre reinvenção de vida, preconceitos e educação. E de como, na essência, somos todos iguais.

Uma vez mais, desfrutávamos do lado bom das viagens lentas, a chamada “slow travel”, que sempre nos permite conhecer e conversar com gente local. Gente como Channy.

Afinal, as pessoas são sempre melhores professores que os livros de história. No sudeste asiático, descobrimos heróis anônimos, sobreviventes de guerras, mulheres e homens, jovens e adultos que encaram a dor e o sacrifício com sorriso no rosto.

Não fosse pela escuridão da noite e pela trégua da chuva, teríamos seguido conversando com ela. E compartilhando desafios de vida e superação.
A viagem nos leva a mergulharmos no mar sem fim da natureza humana e em nós mesmos. E sempre retornamos à superfície diferentes do que éramos.

Channy, jovem cambojana de vinte e poucos anos.
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